Friday, June 13, 2008
Nenhuma palavra é necessária. Duzentas batidas por minuto derretendo atos e fatos. E o sorriso dela ali, logo à frente, já encerrado no seu destino. Caminho sem volta: você não vê mais nada e dá um passo, dois passos, três passos. Duzentas batidas por minuto e mais nada existe. Suas mãos estão dentro dos bolsos, e então, no quarto passo, você pára a poucos milímetros dela. O sorriso, os olhos. E então você também sorri, já sem cerimônia alguma. E sabendo de tudo o que está para acontecer a cada batida que passa, você, com as mãos ainda nos bolsos, apaga sua visão. Sabendo de tudo, você inclina o que você é, e, em algum pouco tempo, o sentimento que é sua boca percebe uma leve pressão – tão leve que nem chega a ser pressão. E o sentimento boca se umedece durante o encontro, e os lábios tomam um gosto adocicado... sim, é batom. Duzentas batidas por minuto (e a consciência existindo no intervalo entre elas), suas mãos no bolso, seus lábios nos lábios e o tudo nisso condensado. Nada mais, nada mais. Nada mais a não ser um detalhe do sentimento – a língua – que aparece consciente, e faz-se de curiosa. Enquanto a consciência se estica entre essa e esta batida, você percebe também as mãos dela repousando nas curvas entre os seus ombros e braços. E a língua deseja ir além de si, extrapolar a você mesmo. Indo, percebe em espelho a língua dela. A respiração perdida, as batidas em quente, a língua e a língua. Dois vocês, em um só espaço. Suas mãos tornam a existir e saem dos bolsos, num instinto precedido por uma rápida dúvida (você sempre se pergunta o que fazer com as mãos), e rumam à cintura dela. Ali param. Línguas. Você movimenta lentamente a cabeça, e vê seus dentes arranhando os dela. Línguas novamente. O movimento que você faz dentro do sentimento boca conduz-lhe ao tudo. Nada mais é preciso. Nada se vê, se pensa, se ouve, se vive. Duzentas e poucas batidas, e uma delas faz seu rosto sentir mãos tentando esculpi-lo. Talvez seja mais que uma latência em escultura: é o desejo puro de poder possuir. Ao cair nesse pensamento, você sobe lentamente suas mãos pelas costas dela, modelando também tudo o que naquele instante é seu. E ela segura seu rosto com mais força, e te procura com mais convicção através da língua. Mas, de repente, tudo pára. A quebra do acontecimento – sutil, sutil – faz você abrir lentamente seus olhos, que, próximos do sorriso dela, te fazem sorrir. E ela, desejando ainda o transe, crava os dentes no seu lábio inferior, fazendo a você um sentimento que é cócega, tato, aperto e logo dor. Você fecha os olhos e se concentra na mordida cada vez mais intensa. E, seja lá de onde venha tal desejo, você o cumpre: aperta-se, comprime seus maxilares, explode-se de pouco em pouco. Assim que se liberta dos dentes dela, você busca novamente a boca, e a encontra surpreendentemente violenta. Forte. Sente uma mão lhe subindo a testa, entrando em seus cabelos e empurrando os fios todos para trás. Surpreso, você abre os olhos, sorri (e agora ela estava de olhos fechados), e lembra-se da música explodindo seus tímpanos. Mesmo que nenhum pensamento lhe diga nada, você sabe que tudo aquilo é bom, e que, portanto, merece acontecer. E você continua captando-a, tomando-a, bebendo-a, roubando-a, mastigando-a, delirando-a, vivendo-a. Você quase a faz você. Nenhuma palavra é necessária.
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
2 comments:
Uau, quantas palavras... uma forte surpresa surpreendente por aqui...
melhor texto de todos. vc sabe.
Post a Comment